sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A deslocada

Poucos momentos da nossa vida nos dão a verdadeira certeza de que não pertencemos a qualquer lugar em que estejamos. Esta é uma história triste, devo alertar. Daquelas que deixam a gente pensando por horas. A nossa personagem principal - sim, é uma "ela" - pode dar um grande aperto no seu coração.

Antes de mais nada, vamos a ela. 

Ela é feia. 

Não. 

Ela não é feia. Só não atende os requisitos dos padrões criados pelo mundo contemporâneo, digamos. Redonda em cima, com parte do corpo torta, inapropriadamente torta. É a versão feminina do bonitão da turma, mas nesse caso é ela quem carrega um apêndice. Um incômodo apêndice. Um apêndice, talvez, determinante para sua condição de excluída. Vai saber?! Também não é esguia e charmosamente inclinada, como algumas de suas amigas. Nem tem o cabelo espetado, estiloso, como aquele punk descolado que, muitas vezes, é usado como trunfo.

Espera! Estou sendo injusto. Em alguns momentos da História, desde sua criação, ela foi essencial. Determinante. Passeava por aí como uma rainha, importante, bonita e atribuidora de estilo. Quem a escolhesse cuidadosamente, gozava de um sucesso tremendo e agradava todos aqueles que, por algum motivo, admirava o trabalho feito. Nessa época, a maioria da turma tinha peso e importância iguais. Ela não valia menos que os bonitões e, se quer saber, era mais usada que as magricelas tortas. Todos as cobiçavam e tinha até quem torcia para ser escolhido no mesmo período. Os bonitões, todos, rezavam para serem usados por cima dela. Era sua época áurea. Uma época em que as coisas aconteciam por causa dela e não apesar dela. Ela dividia períodos, ideias, canções. Colocava cada coisa em seu lugar com um cuidado e maestria impressionantes. Era ela quem mandava no pedaço.

Acontece que o mundo muda. E com o mundo, mudam muitas outras coisas. Conceitos, parâmetros, valores e preferências. E, foi durante uma dessas mudanças que ela perdeu o reinado. O trono sempre foi e sempre será dela por direito, não tenha dúvidas! Mas as coisas começaram a se simplificar, encurtar. Sua aparência voluptuosa não tinha mais charme. A compressão atingiu todos os níveis da produção em geral e, naturalmente, as magrinhas começaram a ganhar mais espaço. Ninguém gosta de assumir, mas na verdade, a turma toda entrou em decadência. Porque aqueles que os utilizavam frequentemente descobriram outros modos de comunicação e daí, meu amigo, não importa mais se você é "ele", "ela", tem apêndice, é punk descolado ou anda por aí em turma. Todo mundo caiu no mesmo buraco. E, como qualquer coletividade que entra em decadência, aqueles que são visualmente mais agradáveis são mais aclamados. Simples assim!

O advento da internet foi quase como sua sentença de morte. O bonitão e a magricela torta se tornaram os responsáveis por levar os utilizadores aonde eles quisessem. Ela se tornou um estorvo, por exemplo, em um lugar que só permitia 140 caracteres. Todos eles se tornaram. Mas ela, em termos de importância, estava muito longe do bonitão, das magricelas e até mesmo do punk descolado.

Hoje, apenas alguns dos utilizadores continuam dando a ela sua importância régia. Mas os lugares onde ela aparece são pouco visitados. Ou ela é simplesmente ignorada. Tornou-se, coitada, sem querer, um fenômeno behaviorista. Tornou-se, ela mesma, parte da psicologia moderna. Sim, apesar de ser lembrada por esses utlizadores cuidadosos, some às vistas dos que a ignoram normalmente. Afinal de contas, à parte a síndrome de Édipo, Elektra e as teorias sexuais Freudianas, a psicanálise já provou que nem sequer chegamos a registrar coisas que nossa mente ignora no dia-a-dia.

Minha amiga, a vírgula, ganhou uma homenagem. Espero que ela fique feliz. Fiz isso porque acho que ela está prestes a se matar. A varrer a própria existência das línguas do planeta. Fiz porque tenho um grande apreço por ela e não quero, de maneira nenhuma, que ela logre sucesso nesse comportamento suicida. Fiz porque, talvez, alguém leia essa homenagem e decida começar a utilizá-la, também.

A vírgula, minha amiga, não é qualquer uma. Mas a vírgula, coitada, está em baixa. Foi trocada por sinais mais atraentes. E, sabe, eu até gosto desse jeito gordinho e desajeitado que ela tem!

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