segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Capítulo I - Coisa de homem matuto, coisa de homem ruim.

Diziam ser Horácio José da Silva, vulgo Matuto, um dos cangaceiros mais temidos e respeitados do bando de Lampião. Fulgurava no alto escalão do grupo ao lado de outros soldados como Corisco, o Diabo Louro.

Em certa dada Matuto, Corisco, Lampião e Maria Bonita, acompanhados de mais quinze ou vinte homens do bando atravessaram o deserto semi-árido do sertão a caminho de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Iriam saquear a cidade, que estava crescendo vertiginosamente nos últimos tempos. Com seus parques salineiros e firmas comprando e prensando algodão, Mossoró poderia render um bom dinheiro ao bando, que tinha uma estratégia bem conhecida. Seqüestrariam uma figura notável de uma cidade vizinha e pediriam resgate mais uma grande quantia de dinheiro para não realizarem a invasão.

Pararam em uma pequena propriedade e apearam-se dos cavalos. Enquanto Maria Bonita foi reabastecer as cabaças de água, os generais sentaram confortavelmente debaixo de um jacarandá para descansar do calor.

Matuto observou alguns homens levarem os cavalos para também beberem água em um manancial quase seco ali perto. Estava com o olhar perdido e semblante preocupado. Seus olhos negros não se moveram com os homens. Ficou ali, fitando algo no vazio da seca. Gotas de suor desciam de sua espessa e lisa cabeleira. O calor era acentuado e o sol do meio-dia durava quase o dia todo. Quase se podia ouvir o solo trincolejar, como fazia a madeira nas fogueiras noturnas. Lampião olhou para Matuto que não pronunciara uma palavra sequer desde a entrada no estado do Rio Grande do Norte, depois de ter cortado fora a cabeça de um sertanejo que resistira ao ataque, na divisa com a Paraíba. Preocupado chegou mais perto.


- O que é que há, compadre?

- Sei não, compadre. To sentindo uma coisa estranha.

- Tá doente, Matuto? Pode ficar doente não. Nós precisa pegar os presentes do povo em Mossoró e voltar.

- Tô doente não, compadre.

- O que é que há, então, Matuto? O cabra que sente coisa estranha e não tá doente não é cabra macho.

- Sei não. Sei não. Acho que tô preocupado. - Matuto mudou o olhar de direção e sentiu uma brisa fresca gelar o suor que brotava de seu rosto. Uma brisa que parecia prenunciar uma desgraça.

- Credito nisso não, compadre. – Contestou Lampião – O cabra precisa ter força e colocar a fé no Padim Padre Ciço. Cangaceiro não se preocupa com nada. Cangaceiro não teme é nada.

- Essa noite sonhei com cobra, compadre.

- Sonhar com cobra é traição. – Interrompeu Maria Bonita em tom quase catedrático enquanto trazia as cabaças de água cheias e algumas frutas.

- Traição que nada, mulher.


Enquanto Lampião e Maria Bonita discutiam se sonhos tinham ou não significado, Matuto passou a observar a relva baixa balançar com um vento quase imperceptível. Estava sentindo a mesma coisa que sentira no episódio da casa grande, na fazenda em que se criara em Caruaru. Naquele dia, em seu aniversário de dezoito anos, aprendera a ler os presságios no comportamento na natureza quase morta do sertão da pior forma possível. Estava acontecendo de novo. O cenho franzido involuntariamente fazia os nervos se tensionarem e o sangue ferver.

Aquela era a última parada antes do início da invasão do Rio Grande do Norte. Dali em diante atacariam os vilarejos em busca de “presentes” até chegarem em Mossoró, já bem estabelecidos. O bando não estava completo. Faltava uma falange, que vinha do Ceará chefiada por Massilon, outro capitão do cangaço. Lampião marcara de se encontrar com Massilon nos arredores de Mossoró para prepararem a última investida. Estavam ali esperando apenas mais um soldado, do apreço do chefe, que vinha em disparada há dias para encontrar com seus pares, direto da Bahia. Era Sabino, grande estrategista e homem da confiança de Lampião.


À noite, acampados em volta de um punhado de brasa, o único som que se podia ouvir era dos grilos, embalando o sono daqueles homens ruins e malvados com uma canção de ninar repetitiva e incansável. Matuto, que não conseguia dormir, olhava as estrelas com os sentidos em alerta e respiração rápida e pesada. Ouviu, de repente, um chacoalhar de folhas perto da árvore onde sentara mais cedo. Colocou a mão na carabina que estava pousada a sua direita e se preparou para levantar, silente e discreto, como sempre o fora. Andou na direção da árvore, as parcatas sem fazer o mínimo ruído, sabendo exatamente de onde vinha o barulho de folha seca amassada. Sentia o cheiro da brisa fresca invadir o corpo. Recostou-se na árvore e preparou o ataque. Seria certeiro e fatal. Segundos depois, todos os homens do bando estavam de pé e em alerta, com as armas apontadas para o local de onde veio o tiro.
(Continua...)

9 comentários:

Anônimo disse...

Ae Vi, ficou muito foda, não vejo a hora da segunda parte...

Abraços e parabéns!

Leonardo Ferlin disse...

Mandou bem demais rapaz, adoro essas histórias passadas de geração para geração!
Juro que estou MUITO ancioso pela segunda parte, pode virar uma belissima série de contos!

Fernando Thadeu disse...

Faaaaala Viny.......seu tatatatataravô era foda heim!!!!
Acho que ele tinha algum parentesco com o Zé pequeno tbm.....auhahua.......parabéns pelo texto, não vejo a hora de sair os tiros pra todos os lados....flw!

Iobaf´ disse...

Compadre, você sabe mesmo contar estórias... Nossa, um tesão.
Bom, agora, é aguardar pra ver o próximo capítulo. (Escreve logo, irmão!)
Bijunda!

Anônimo disse...

Além de tudo você é um estrategista, sabe exatamente onde parar o texto para aguçar o interesse para a próxima parte.

Anônimo disse...

Hum...
Estou esperando a segunda parte!!!
Ficou ótimo amor, parabéns!
Te amo.
Bjo

Iobaf´ disse...

Então, né, cadê a segunda parte da trilogia do Matuto? Hehehe!

Bijunda, irmão!

Leonardo Ferlin disse...

Rapaz, ja quase decorei todas as falas do conto, hahahaha, peloamordedeus, continua com isso se não vou ficar louco aqui!

Unknown disse...

estou esperando asegunda parte tan boa como a primeira.