quarta-feira, 18 de julho de 2012

Against all odds


Daí que ontem a Phoebe fez um ano de vida. Quer dizer, ontem foi a data que a Silvia, minha noiva, e eu escolhemos para celebrar o nascimento dela. O porquê de isso merecer um post no blog, vem em seguida. Acho que vale a pena compartilhar com vocês.

A Silvia é filha única. Por questões que não vêm ao caso, ela nunca teve um cachorro. Eu, por outro lado, tive cães a minha vida toda. Sinceramente acho que uma pessoa que nunca teve um cachorro não experimentou, em nenhum momento de sua vida, um amor verdadeiramente incondicional. Mas a minha opinião não conta. Quem é mais próximo de mim sabe como eu sou alucinado por cães.

O fato é que a Silvia, ano passado, se sentiu preparada para ter seu primeiro cão. Ela queria emagrecer, e levar o animal para caminhar todos os dias ia motivá-la e ajudá-la. Era uma situação de vitória certa. Além disso, o cão seria nosso pet quando casássemos. Eu já tenho dois na casa da minha mãe, o Chico e o Thor, objetos da minha devoção. Claro que eu não poderia levá-los comigo, por que eles são companheiros da minha mãe e a curaram de uma depressão profunda. Tampouco poderia levar apenas um: eles também nunca poderiam ser separados.

Sou contra a compra de animais, acho que o mercado de cães é cruel e move uma indústria que faz mais mal do que bem. Mas isso não vem ao caso. Estou escrevendo para celebrar a vida. Disse isso apenas para justificar o porquê de eu ter dito à Silvia que ela devia adotar um cão, e não comprar um filhote de raça.

Um dia, indo em uma dessas lojas grandes para comprar coisas para o Chico e o Thor, vi que estava rolando um feirinha de adoção. Cheguei mais perto para checar os cachorros e, gente, esse foi um dia realmente marcante. O primeiro cachorro que eu vi, uma vira-latas preta, chamada Daphne, me fez chorar. Ela estava com um laço na orelha, e me olhou com os olhos pretos brilhantes como se soubesse que estava prestes a ganhar um lar. E, de fato, estava: uma senhora atrás de mim estava terminando de preencher a documentação para poder levá-la.



Na jaula ao lado da Daphne estava uma filhote muito magra e com uma barriguinha de verme gigante. Dormia como se não houvesse amanhã. Dormia como se soubesse que esse sono, em breve, se ela não fosse resgatada, seria eterno. Me apaixonei na hora. Tirei uma foto e mandei para a Silvia. Batizada de Pantera, a filhotinha era a última de uma ‘ninhada’ de quatro que chegou na feira naquela manhã de sábado. A moça da ONG me disse que não poderia segurá-la, e que filhotes normalmente saem primeiro. A Silvia não podia ir naquela hora, então decidimos arriscar encontrá-la no dia seguinte.

Quando chegamos, no domingo de manhã, ela não estava lá. Não tinha chegado ainda, mas não tinha sido adotada. Olhamos alguns outros cães que aguardavam um dono, mas a Silvia não teve aquela ‘química’ com nenhum deles. Decidimos ir embora para cumprirmos mais compromissos dominicais. No meio do caminho, ao parar em um posto de gasolina, eu senti uma coisa dentro de mim. Algo inexplicável. Olhei pra Silvia e não precisamos falar nada. Ela disse: “Vamos voltar lá, só pra olhar de novo?”. Voltamos. Como estávamos atrasados, fiquei esperando no estacionamento enquanto a Silvia foi lá ver se ela tinha chegado. Vejam: a Silvia só tinha visto uma foto dela, dormindo, de lado e com a cabeça encoberta. Mesmo assim, quando ela entrou, reconheceu a Phoebe e, imediatamente, a Phoebe subiu no carrinho de mercado em que estava e abanou o rabo. Recebi a ligação da Silvia, excitada, dizendo que a tinha encontrado. Dizem que não somos nós que escolhemos nossos animais, e sim eles que nos escolhem. E foi exatamente o que aconteceu: a Phoebe escolheu a Silvia.

Preenchemos a papelada e, mediante a doação de um pacote de ração, pudemos levar ela conosco. Ainda tínhamos compromisso a cumprir naquele dia. Precisávamos continuar procurando apartamento para morar. Então combinamos de a Phoebe ficar comigo e os outros dois cães na casa da minha mãe, e ela foi fazer essas outras coisas.

A Phoebe chegou em casa muito magra. Tossia muito e, quando tossia, soltava pedaços grandes de catarro no chão. Achei que ela estava resfriada, mas suspeitei um pouco. No dia seguinte, a levamos para uma veterinária para dar vacina, fazer consulta de rotina etc. Quando contamos para a médica como pegamos a cachorra e que ela tinha tido episódios de diarréia relatados pela tutora que esteve com ela antes de nós, veio a notícia: Phoebe estava subnutrida, cheia de vermes e com pneumonia. A pneumonia, nesse caso, era o segundo estágio de uma doença que mata 95% dos filhos que ela acomete: a Cinomose.

O diagnóstico foi bem “empírico” e a médica foi muito direta conosco: “Essa cachorra vai morrer em menos de uma semana. Se ela não morrer, voltem aqui que iniciamos um tratamento”.  Imaginem vocês, amigos, que conseguiram ler o texto até aqui, que a Silvia, que nunca tinha tido nenhum cachorro, recebeu a notícia desse jeito.

Deixamos a clínica desolados, mas com muita fé. Naquele momento, prometi pra mim mesmo que ia fazer o possível para que ela pudesse sobreviver. No dia seguinte fomos em outra médica que teve um discurso completamente diferente. Pediu exames para confirmar a doença e disse que, se fosse mesmo, teríamos chances de curá-la. Fizemos os exames. A Phoebe realmente estava com uma séria pneumonia. A Phoebe realmente tinha Cinomose. E estava desnutrida, com anemia profunda e, enfim... À espera de um milagre.
A Silvia e eu passamos a estudar toda a literatura de cinomose, ficamos experts na doença de tanto ler artigos científicos e eu, como bom neto de baiana, pesquisei alguns métodos “não-convencionais” de tratamento. Coisa de superstição mesmo. A Roberta, médica da Phoebe, receitou os remédios e começamos a tratá-la, na esperança dela sobreviver. A espera sempre foi angustiante. Afinal de contas, só teríamos certeza que ela estaria livre da doença aguda quando ela fizesse um ano. E é por isso que estou escrevendo esse texto.

A Phoebe chegou com 1,8kg. Hoje ela está beirando uns 15kg. Quando a pegamos, em outubro, ela tinha coisa de três meses, então devia ter nascido em meados de julho.Tirando os dentes, falhados e manchados, não ficou com nenhuma sequela. Ela é uma cachorra super boazinha, carinhosa e saudável, que alegra todos os lugares onde vai.

Olhando para trás, percebo o quanto ela nos ensinou. Durante esse tempo, ela foi a sublimação de perseverança e vontade de viver. Ela nos ensinou o valor de nunca desistirmos. Ela apoiou sua vida nas nossas mãos, e confiou no que o destino dela preparava. Muitas vezes acordamos de cara virada, de mal com a vida, pensando em como é difícil vencer todas nossas batalhas diárias, não é mesmo? Hoje, quando eu acordo assim, penso na Phoebe e em como ela é guerreira, em como isso pode ser um exemplo para a minha vida.

Sei que a Phoebe vai viver menos que nós. Isso é óbvio. Sei que essa doença pode voltar na velhice dela. Mas também sei que ela vai ter uma vida digna até o fim, da maneira como tem de ser.

Escrevi esse texto em homenagem a ela. Em homenagem à sua vontade de viver, de vencer. E que ela sirva de exemplo para todos que lerem esse relato: nunca desistir, mesmo 'against all odds'.

Um comentário:

Jéssica Batista disse...

Que texto incrível. Ter um animal de estimação em nossa família faz toda a diferença. Eles não se importam com nossa classe social, com a roupa que estamos usando e ainda nos acordam com lambidinhas diariamente.

Viva Thor, Chico, Phoebe e Carminha. Viva todos os cãezinhos que foram embora desse mundo de maneira cruel, sendo envenenados ou tendo seus cuidados negligenciados. Sem ajuda ou proteção, esses amigos de quatro patas são os verdadeiros guerreiros.

Beijo, amiga. Fiquei realmente emocionada.