terça-feira, 23 de março de 2010

O meu sonho

Eu tive um sonho. E o sonho era um stop motion feito com pinturas. Por todos os cantos tocava música de Belle & Sebastian. Tudo parecia um quadro, mas as coisas se mexiam. O céu era cor de baunilha. Da cor dos céus de Monet. Não dava pra saber se era dia ou noite, mas havia nuvens espalhadas, com várias formas. Algumas pareciam coelhos, outras pareciam carros e muitas pareciam Deus.

As pessoas eram exatamente iguais às pintadas por Botero. Gordas, alegres, voluptuosas e muito bonitas. Andavam pelas ruas com uma leveza única, e falavam de uma maneira bitnick, como os diálogos de Bukowski, cínicas, debochadas e extremamente interessantes.

Eu estava sentado na areia da praia de Ipanema. Era, também, um personagem dos quadros de Botero. Ao meu lado, tinha uma garrafa de whisky, o cão engarrafado. Eu era Vinícius de Moraes, mas me chamava Nicanor. O mar tinha cheiro de saudade e eu ficava observando uma garota passar com os pés na água, de tatuagem no braço e sabia, com uma certeza mais que absoluta, que ela era a minha garota de Ipanema. Ela também tinha saído de um Botero e usava um vestido branco de seda, que dançava conforme o vento batia. Lá no fundo, um golfinho amarelo pulava nas águas e fazia acrobacias. Todas as vezes que ele emergia, eu ouvia uma banda tocar. Diferente do céu de baunilha dos outros lugares, logo acima de mim uma moça dançava entre as estrelas. Era uma bailarina, com roupas de bailarina, fazendo coreografia de bailarina. Mas o que tocava era Belle & Sebastian, valsas e o Bolero de Ravel.

Eu estava triste porque, apesar de estar ali, três Chico-Buarques andavam pela rua perguntando por onde eu andava e lembravam que eu tinha mãos de jardineiro quando tratava de amor. Tomava o whisky na boca da garrafa e esperava que a garota de Ipanema viesse ao meu encontro, mas o que ela fazia era só andar, molhando os pés no mar. Quando meu desespero se tornou insuportável, fui transportado para um caminho. Uma estrada de terra batida. Nas duas laterais, ipês roxos carregados chacoalhavam com o vento. Eu estava de mãos dados com alguém que não sei quem é e não sentia mais nada ruim. Nem dor, nem medo, nem saudade, nem tristeza. Vestido com um terno de linho azul marinho, com uma rosa vermelha na lapela, eu caminhava na estrada, de mãos dadas com a desconhecida e tinha dentro de mim uma alegria, uma quentura inimaginável. No fim da estrada, jazia um arco-íris que começava num cristal gigante.

Eu tive um sonho. E ele descrevia o mundo perfeito. Acordei com um gosto de fel na boca. Abri a janela e chequei o céu. Não era mais de baunilha. E não tinha mais bailarina. Era cinza, escuro, feio e opressor. Eu não era mais o Vinícius de Moraes. Nem me chamava Nicanor. Tirei a areia dos pés, dobrei o vestido branco que dançava enquanto o vento batia no varal, tomei água na boca da garrafa e fui trabalhar ouvindo música incidental.

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